sábado, 24 de julho de 2010

Panorama da novíssima poesia contemporânea- Beatriz Bajo:

O Selo Demônio Negro está mapeando a novíssima poesia brasileira contemporânea e recentemente publicou o primeiro livro da poeta londrinense Beatriz Bajo, abaixo uma entrevista com a escritora feita por Marcelo Ariel, prefaciador do livro:

Marcelo Ariel: Se a linguagem está em oposição ao que chamo de 'autenticidade da vida', como reconciliá-la com a vida sem torná-la uma simulação e uma casca, para a vida da casca colaboram o ego e principalmente as capas, a capa de escritor, a capa de filósofo e etc.?

Beatriz Bajo :Não acredito na reconciliação entre linguagem e ‘autenticidade da vida’, talvez nem na conciliação. Para mim, a linguagem é exatamente esse caminho embrulhado do que se vive e é bonito porque não é essa vida, é outra...por conta disso, veste-se de diferente autenticidade. No entanto, esse paralelismo corrobora com algum entendimento entre os seres (algum). Para a vida da casca colaboram sim o ego e as capas, todas elas, os conjuntos de fatos né? (rsrs), mas é bonito ver as cores distintas, as estampas, as abotoaduras e incrementos diversos...acho que o bacana é essa multiplicidade de intenções e significados e interpretações que não deixam de ser autênticos.


Marcelo Ariel: Nos teus poemas existe um interlocutor, me pergunto até que ponto ele é um interlocutor vivo ou um resquício da presença humana interiorizada, quem é o sujeito e o interlocutor do poema no centro dos escombros da vida danificada?


Beatriz Bajo :Acho que todo poema, todo discurso alcança um interlocutor, de uma forma ou de outra...sim, nos meus existe um receptor imediato que está vivo absolutamente e não deixa também de ser a interiorização da presença humana.
É, há uma voz em meu discurso subjetivo que se suja entre os desencontros enunciativos. Um sujeito que deseja, que solicita sempre, que ama. Um sujeito dependente que se funde com o objeto e desmancha-se porque sem centro. Acredito que haja desdobramentos, muitos deles desconhecidos, excêntricos, mas latejantes. Não um eu, mas um sujeito pulsante que pode abarcar todas as pessoas do discurso. Assim que não há essa dicotomia tão evidente, acredito, por isso, muitas vezes, não é necessário diversas pessoas...todas se fundem e asfixiam-se em meio à ruína da vida que se lesa, a-poética.


Marcelo Ariel: Auschwitz torna o poema impossível ou Auschwitz aconteceu por causa da falta ou insuficiência da poesia e o que no Brasil equivaleria a uma experiência nadificante e desoladora do horror incrustado na própria pulsação do mundo como Auschwitz?


Beatriz Bajo :Auschwitz ocorreu, em minha opinião, pela insuficiência de poesia evidentemente, ou melhor, pela ausência da mesma. Não cabem no mesmo espaço a brutalidade e a poesia. No Brasil, a equivalência está também nos campos de concentração de descaso e aviltamentos, no alijamento, nas banalizações. Mas não acredito que Auschwitz torna o poema impossível, não há impossibilidade na poesia.


Marcelo Ariel: É possível o 'ensino da poesia' ou Platão estaria com a razão e ela deveria ser expulsa da pólis por ser uma irradiação da inadequação, algo 'fora do lugar', que pode ser em nossa época das trevas simulada e domada através de uma oficialização do discurso poético?


Beatriz Bajo:Evidente que é possível, mais que isso, é urgente o ensino da poesia. Por meio dela há a fabricação de nova realidade. Sim, sem discordar com Platão sobre a propagação da inadequação (ex-pressão) e ‘fora do lugar’...em novo lugar utópico (ou+topos = sem lugar). Pois é exatamente por meio desse não-lugar que aparece o outro, em que a mudança pode ser feita, de onde surgem os nascimentos todos. A poesia é a composição do humano no homem. Assim, Octavio Paz, registra belamente que “o poema é um caracol onde ressoa a música do mundo, e métricas e rimas são apenas correspondências, ecos, da harmonia universal. Ensinamento, moral, exemplo, revelação, dança, diálogo, monólogo. Voz do povo, língua dos escolhidos, palavra do solitário. Pura e impura, sagrada e maldita, popular e minoritária, coletiva e pessoal, nua e vestida, falada, pintada, escrita, ostenta todas as faces, embora exista quem afirme que não tenha nenhuma: o poema é uma máscara que oculta o vazio, bela prova da supérflua grandeza de toda obra humana!”. Poesia é transcendência e aperfeiçoamento interno.
Infelizmente há domadores e oficiais do discurso lírico, mas em determinados sítios. E como a poesia não enxerga limites, ela escapole, arrebenta, brota em qualquer terreno, piscamos e ela ressurge, faz-se imperioso esse des-vendamento.


Marcelo Ariel: Em você o poema surge a partir do mundo ou ele é uma mera interiorização exteriorizada de impulsos e trastes boiando no inconsciente?


Beatriz Bajo:A partir do mundo e uma interiorização exteriorizada de impulsos, não sei se essa interiorização está paralela ao mundo...pelo contrário, aquela parte deste e vice-versa. Bem, ele (o poema) surge...isso é bacana porque algo que eu precisava encontrar em mim enfrenta-me, materializa-se e estamos todos interligados nesse inconsciente coletivo e caminhamos nessa loucura discursiva e mística.


Marcelo Ariel: Qual a importância da projeção da comunicatividade mediada pela máquina (internet) para o ser que está à serviço do poema?


Beatriz Bajo :Qual a importância!? para mim tem sido essencial...é a democracia se fazendo valer. O acesso à literatura (em todos os níveis) no Brasil sempre foi dificultoso e com a internet há maior facilidade de colocar a poesia em visibilidade e mais caminhos aos contatos com editores e escritores. Por incrível que pareça, o blogue e o orkut serviram para que eu acreditasse mais um pouco no que escrevo no sentido de encontrar pessoas que partilham de idéias e gostos. Assim, comecei a enviar textos para diversas revistas, sempre muito gentis, muitas publicaram ensaios, contos, poemas, pintou o convite para editar a seção literária do site Armadilha Poética, e-mails de Luís Serguilha, Glauco Mattoso...rsrs...recebo livros de amigos que fiz através da net e a maioria está no virtual apenas. Essa entrevista só acontece porque um dia você apareceu no meu orkut, lembra!? Isso já faz mais de meio ano.


Marcelo Ariel: Quem é você e como, por que e em qual momento da sua vida se deu a 'inclinação para o poema'?

Beatriz Bajo :Há um trecho no blogue que digo ...e estendo-me de mim outra...desdobrando-me...estilhaçados entes que moram no dentro de sei lá quem... talvez seja tudo Beatriz Bajo. (rsrs) também gosto de pronunciar que vou esmiuçando o que mora em mim em horas de partos silenciosos que gritam do útero primeiro... meu ventre meus ventos...assim que desembocam! Bem, fui uma criança que adorava brinquedos de montar, quebra-cabeças, e muitos papéis e lápis de cor. Pelo fato de nascer com o fêmur fora da bacia, usei um aparelho durante um tempo que dificultava minha locomoção, talvez isso tenha contribuído a outros movimentos (rss). Tenho a impressão de que nasci assim, porque cultivo recordações de poemas com pouquíssima idade (aqueles muito muito singelos e impronunciáveis que os pais guardam para passarmos vergonha depois..rss) e também achava que escrevia letras de música com primas, mais ou menos 8, 9 anos...sei lá...ainda houve os textos dramáticos que fazíamos às apresentações de festas como dia das mães (putz! terrível). Alguns acontecimentos marcantes, o incentivo artístico dos meus pais em diversos níveis, o filme “Sociedade dos Poetas Mortos”, uma professora de Língua Portuguesa e Redação (através da qual aprendemos a manusear a sensibilidade), o quadro “desintegração da persistência da memória”, de Dalí. Aos 13 anos fiz meu primeiro poema menos tosco do que os anteriores, por amor, claro (rsrs). A faculdade também foi crucial, o estímulo que sempre recebi de professores e uma premiação em um dos concursos que participei. No conto “5 contos até o dia 5” falo sobre alguns inícios, como um lápis que enterrei no céu da boca...esse pode ser um bom começo, não!? (rss) Acredito que tudo isso se dá porque sou uma amadora por convicção, uma entusiasmada...gosto dessa palavra que vem do grego en + théos = com um deus dentro. Acredito no humano de cada um e amo muito e sempre...acho que é isso. Obrigada pelo teu convite, que se rompam as grades quando agradeço/ e que mais desço e mais transmuto... até!